Quando os presidentes de empresas se sentarem para formular estratégias para os próximos anos, eles agora terão de levar em consideração palavras como “guerra” e “uso de armas nucleares”. A paz que as companhias deram como certa no mundo após a Segunda Guerra Mundial, não existe mais.
As empresas precisam operar em um mundo cheio de riscos geopolíticos. A invasão da Ucrânia pela Rússia apenas trouxe à tona essa tendência.
Já estamos no meio da terceira guerra mundial, disse Fiona Hill, ex-assessora da Casa Branca para assuntos relacionados à Rússia, em entrevista recente ao site “Politico”. “Já estamos há algum tempo.” O presidente russo Vladimir Putin deverá usar todas as armas à sua disposição, incluindo as nucleares, afirmou Hill.
Alguns vêm tentando medir o risco geopolítico. Dario Caldara e Matteo Iacoviello, economistas do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), compilaram um Índice de Risco Geopolítico (GPR, na sigla em inglês) com um algoritmo que conta a frequência dos artigos relacionados a riscos geopolíticos em grandes jornais internacionais publicados nos EUA, Reino Unido e Canadá, como “The New York Times”, “Financial Times” e “The Wall Street Journal”.
Seis categorias de palavras são medidas, incluindo “risco geopolítico”, “ameaça de guerra”, “ataque aéreo” e “ato terrorista”. O mais recente Índice de Risco Geopolítico, divulgado em 1o de fevereiro, marcou 178,90 pontos, um aumento de 40 pontos em relação ao mês anterior. É o maior patamar desde abril de 2003, no auge da Guerra do Iraque, quando o índice GPR marcou 255,78 pontos.
O indicador bateu nos 512,53 pontos após os atentados de 11 de setembro de 2001 e 379,25 pontos antes da Guerra do Golfo em 1991. O Indicador de Risco Geopolítico da BlackRock identificou o “conflito Rússia-Otan” como o maior risco desde fevereiro. Enquanto isso, a ressurgência da covid-19 não se encontra mais nem entre as dez maiores ameaças.
A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, chama a situação na Ucrânia de “a mais grave ameaça à segurança da Europa desde o fim da Guerra Fria”. Um alerta parecido foi emitido pela International Corporate Governance Network (ICGN), organização que representa investidores, companhias e intermediários financeiros na promoção de padrões mais elevados de governança corporativa.
“A ICGN condena a invasão russa da Ucrânia como uma violação flagrante da lei internacional e um ataque moralmente injustificado contra uma nação democrática e soberana e seus cidadãos”, disse a organização.
“Os conflitos geopolíticos não são uma novidade. Mas da perspectiva de um investidor, eles também são um risco sistêmico perigoso que ameaça a paz e a segurança, destrói a riqueza e o tecido da sociedade — local e globalmente”, afirmou a ICGN. Com membros de mais de 45 países responsáveis por mais de US$ 59 trilhões em ativos, a posição da ICGN tem a capacidade de influenciar o mundo dos investimentos em geral.
As empresas já estão avaliando o risco de continuar fazendo negócios na Rússia. Quase 500 companhias se retiraram do país até 31 de março, segundo uma contagem mantida pelo Yale Chief Executive Leadership Institute.
Quando a Toyota anunciou no começo de março que iria suspender a produção em sua fábrica de São Petersburgo por causa de interrupções na cadeia de suprimentos, a montadora disse: “Como todos ao redor do mundo, a Toyota está observando os acontecimentos na Ucrânia com grande preocupação com a segurança do povo da Ucrânia e espera o retorno seguro à paz o mais breve possível”.
As montadoras globais sentem os riscos geopolíticos tanto quanto qualquer um. A consultoria McKinsey propôs cinco maneiras das empresas administrarem o risco geopolítico.
Primeiro, a McKinsey sugere que os conselhos de administração realizem um fórum regular para analisar como responder a riscos geopolíticos. O fórum deve avaliar os riscos que são mais importantes para uma empresa e não dedicar tempo a riscos que não afetam diretamente suas operações.
Em segundo lugar, aconselha as empresas terem uma lente trifocal — curto prazo, médio prazo e longo prazo — para avaliar os potenciais riscos e responder de acordo.
O terceiro pilar é a narrativa corporativa, ou como a companhia fala sobre si mesma. Na era da informação instantânea, uma narrativa que funciona em um lugar pode ferir suscetibilidades em outros, afirma a consultoria. “Parte de gerenciar o risco geopolítico é considerar as ramificações da narrativa central de uma empresa.”
O quarto ponto é a sinalização. As companhias precisam ter um conjunto de regras ou orientações estratégicas para se envolver com um país, e ter um sistema de alerta com luzes vermelha, amarela e verde que representem a escalada dos níveis de risco.
Finalmente, os líderes das empresas precisam “tecer a estrutura de uma organização global” que represente várias regiões geográficas, diz a McKinsey.
Uma tarefa de hercúlea? Bem-vindo ao novo mundo de 2022. Enquanto isso, um relatório do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, o “Global Trends 2040”, prevê que “nenhum Estado provavelmente estará posicionado para dominar todas as regiões ou domínios, e uma gama mais ampla de atores competirão para moldar o sistema internacional e alcançar objetivos mais restritos”.
A China e uma coalizão ocidental liderada pelos EUA “disputarão para moldar normas globais, regras e instituições”, diz o relatório. Conforme visto na guerra na Ucrânia, Rússia e China estão se tornando disseminadores de riscos geopolíticos.
Foi em um estudo de 2001 que o então economista do Goldman Sachs Jim O’Neill cunhou o termo “Brics” para descrever um grupo de nações emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China. “Nos próximos dez anos, o peso dos Brics e especialmente da China no PIB mundial vai crescer, levantando questões importantes sobre o impacto econômico global das políticas fiscal e monetária dos Brics”, disse ele.
No ano passado, duas décadas após a publicação do relatório, O’Neill observou que o principal objetivo do estudo foi “defender a mudança do modelo de governança econômica global, e não necessariamente o inevitável crescimento futuro desses países”.
Pela tese de O’Neill, os atuais riscos geopolíticos poderiam ser resultado da incapacidade de estabelecer um modelo de governança. O G7 (grupo das sete maiores economias ricas), o G20 (grupo das principais economias mundiais) e o Conselho de Segurança da ONU não conseguiram responder efetivamente à crise na Ucrânia.
Com muitos riscos geopolíticos ainda à espreita, incluindo as incertezas com Taiwan e o programa nuclear da Coreia do Norte, o mundo poderá precisar criar rapidamente um novo método de governança global.
Um elemento de risco geopolítico surgido nos últimos tempos é a mudança climática. Klaus Dodds, professor de geopolítica da Royal Holloway, University of London, diz que a mudança do clima inundará regiões costeiras e fará ilhas desaparecerem, mudando as fronteiras naturais do mundo — de montanhas a geleiras e rios.
Isso criará refugiados ambientais e desestabilizará a política internacional, prevê ele no livro “The New Border Wars: The Conflicts That Will Define Our Future”.
Até 2050, “bilhões de nós estaremos enfrentando, com toda a probabilidade, escassez de água, aumento do nível do mar e calor excessivo. Movimentações populacionais em grande escala serão prováveis”, afirma ele.
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